A profissão está na moda. Mas, antes de decidir por esse caminho, avalie os contras, segundo minha própria experiência
O que você vai ser quando crescer? “Chapeiro de lanchonete
ou empacotador da Mesbla”, era minha resposta. Criança excêntrica? Nada...
Sempre arregalava os olhos puxados assistindo nos bares à montagem dos
sanduíches, e me divertia fazendo embrulhos para presente. Eu gostava de ver
aqueles plissados de gosto duvidoso no papel brilhante, inventava dobraduras,
origamis. No fim, estudei arquitetura e agora escrevo sobre comida. É a vida.
Hoje em dia os anseios são outros. As pessoas não parecem
mais guiadas pelo talento natural, mas por modinhas. Se ser DJ, modelo ou
participante de reality show já foram posições cobiçadas, a bola da vez é ser
chef. Claro que se você for um chef que já foi modelo e participou de algum
reality show, então você já nasceu hipster, amigue*. Acredite!
Ser chef está na moda, mas viver nos bastidores de um
restaurante trabalhando insanamente não é para qualquer um. Conseguir domar uma
equipe nem sempre amigável, preparar diariamente 200, 300 couverts, aprender a
lidar com as críticas. Você está preparado?
Minha introdução no mundo da cozinha profissional começou em
um curso de segundo cozinheiro. Não havia faculdade de gastronomia na época,
mas o programa possuía ótima base francesa, e meu professor era uma versão
latina do Gordon Ramsay, com 1,50 metro de pura histeria.
No primeiro dia de aula prática foi aquela loucura. Gente
correndo com caldeirões de água fervente, facas sendo afiadas na altura dos
olhos, disputa pelas peças de carne, um horror. Para mim sobrou uma função até
então desconhecida: lavar ovos em água quente. Quebrei um monte, óbvio, e levei
tanta bronca que terminei a noite lavando o chão da cozinha. Puro glamour.
Utilizar o fogão industrial foi outro drama. Ao tentar
acender a boca múltipla com um mísero palito de fósforo, botei fogo no cabelo,
todo trabalhado no gel. Pior que a gargalhada do bando de carcamanos que
estudava comigo foi o cheiro de pena de galinha queimada que se espalhou pela
cozinha.
Também já fiquei preso na câmara fria, que só abria por
fora. Achei que fosse pegadinha do povo e, para não levar mais bronca do Ramsay
paraguaio, fiquei 15 minutos sentado numa caixa de verduras até ser salvo por
alguém em busca de cebolas. Pulei para fora do “iglu dos infernos”, olhar
congelado e braços azuis de frio segurando trêmulo um ramo de salsinha. Precisava
finalizar meu prato e receber o açoite do dia. Terminei o curso com louvor,
passei cola para metade da turma no exame final e comprei um guarda-roupa
novinho! Eu tinha engordado 8 quilos em três meses de curso intensivo.
Para “agregar valor” ao currículo, também me matriculei num
curso para sommeliers. Passava meia hora aprendendo teoria e quase duas ouvindo
a gargalhada do povo no fundo da sala. Vinho sobe. Todo mundo terminava a aula
“harmonizado”. Até perdi meu diploma no último dia. Só percebi meses depois.
Escrever sobre restaurantes também tem lá suas agruras. Nem
sempre a comida é boa, nem sempre os resultados são inesquecíveis. Ou são?
Certa vez tomei sorvete de gergelim e tive uma reação alérgica que me levou ao
banheiro várias vezes durante uma degustação, para desespero do chef. Também já
tive a honra de comer o “nobre” focinho do porco, devorei ratos, formigas e
gafanhotos, soltei fumaça pelas ventas, tive intoxicações diversas,
engordei, enlouqueci. Já tive até um restaurante, mas me curei.
Agora vai lá, coragem! Bota a mão na massa, taca fogo nessa vaidade, desce para
a cozinha e arrasa. Deus me livre jogar farofa no seu ventilador!
* Ah! O glossário: hipster (aquele que lança
tendências, quase um vanguardista); amigue (amigo/a – é unissex!).
* Marcelo Katsuki é blogueiro (comesebebes.com.br) e
passa metade do dia pensando em comida. Na outra metade, ele sonha.
Fonte: Prazeres da Mesa
Nenhum comentário:
Postar um comentário